sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Elizabeth Nasser fala da emoção de visitar o Vale do Jequitinhonha

"Poucos experimentaram tanto quanto eu, e de modo tão profundo, a sensação arrebatadora, de ruptura, de desligamento da minha própria realidade cultural e social ao viajar pelas Minas Gerais, em busca de cidadezinhas encravadas no sertão, especificamente no Vale do Jequitinhonha. Lá estão artesãos que buscam no solo seco a matéria-prima com a qual produzem peças já reconhecidas nacional e internacionalmente. Ali pude perceber que a
arte – sobretudo a cerâmica – nasce de condições próprias, de uma visão do mundo mais intuitiva, mágica, amorosa. Lá não se constrói uma obra partindo da preocupação de fazer novidade. Essa experiência arrebatadora marcou profundamente minha vida e me impressionou o fato de que a mulher geralmente é o carro-chefe dessa tradição- a de moldar o barro, de conduzir o fazer tradicional desses habitantes do Vale do Jequitinhonha. E há também a tecelagem, o talhar a madeira que, como a cerâmica, convertem o objeto criado em signo
autônomo, em objeto diferenciado.
O artesão molda a obra, marca a sua presença, afirma-se como ser humano. O resultado de suas criações surpreende. As cores, formas e motivos nos mostram que, mesmo repetidos, em todas elas, em seus traços bem marcados, percebemos a insurreição contra a pobreza, a feiúra, a falta de perspectiva da vida no sertão. Em todas elas a suavidade e o olhar marcante lhes conferem a originalidade que as diferencia umas das outras e de outras criações da cultura popular.
Pretendi, com este projeto, aprovado pelo Ministério da Cultura, patrocinado pela Petrobras e pela Companhia Brasileira de Mineração (CBMM) e apoiado pela Secretaria Extraordinária para o Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri do Norte e Nordeste de MG (IDENE), mostrar que a procura do típico é um dos meios de afirmação da identidade nacional e, com a exposição, levar o espectador ao encantamento com as surpreendentes criações expostas. Desejo, ainda, despertar no público a percepção de que a mesma natureza que impõe duros rigores à vida das pessoas oferece inspiração e matéria-prima para a criação de peças elaboradas de acordo com normas e valores estéticos específicos. O artesanato selecionado para a exposição mostra tratar-se de uma estética popular, que precisa ser objetivamente encarada como ela é, e não de acordo com teorias preconcebidas. Estética que se baseia mais em temas amáveis, em cenas do cotidiano.
Ao deixar o Vale, senti como me senti ao deixar a África: aqui como lá há pobreza, não miséria; um povo miserável não tem tanta beleza, tanta emoção artística, tanta sensibilidade para expressar."

Elizabeth Nasser

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